Saulo Nogueira*
A ndia tem recebido muita ateno do mundo pelo seu crescimento econmico rpido, comparvel ao da China, e pelo surgimento do setor de informtica, que presta servios de
outsourcing nos quatro cantos do mundo. O pas merece muita ateno pelo crescimento de seu setor industrial e o desenvolvimento da rea de
software, alm do em certas reas sociais. Na agricultura, porm, h um problema estrutural, que est se agravando com o elevado crescimento econmico nacional.
O crescimento econmico da ndia tem aumentado a renda
per capita da populao de uma forma geral, especialmente nas zonas urbanas. O estilo de vida nessas reas est levando as pessoas a adotarem novos hbitos de consumo, pois a vida urbana apressada limita o tempo dedicado preparao de alimentos, entre outras razes. Os indianos tm uma tradio nica e admirvel de alimentao. Tirando os alimentos no perecveis, como os gros, eles compram a quantidade certa para o consumo dirio, descartando o resto, em vez de congel-lo para consumo futuro. Eles valorizam o alimento fresco, sem conservantes, e preparado da forma tradicional, isto , na panela, em vez de forno de microondas. Ademais, eles compram seus alimentos em pequenas lojas de esquina. Praticamente no existem supermercados na ndia. Contudo, essa tradio choca-se com o ritmo da vida urbana, em que sobra menos tempo para a preparao das refeies, especialmente nos lares onde o marido e a mulher trabalham.
Portanto, a demanda por alimentos diferenciados cresce e, assim, surgem as seguintes perguntas: a agricultura indiana est apta/ preparada para fornecer esses alimentos? Quais os fatores que impedem o desenvolvimento do setor? O governo indiano est disposto a permitir a importao de alimentos diferenciados para suprir a demanda urbana?
O setor agrcola do pas no tem sido tema prioritrio na pauta de modernizao do governo indiano, como ocorre com as leis trabalhistas e comerciais, as privatizaes e a abertura comercial. Os polticos conseguiram manter o raciocnio das ltimas dcadas, que , por representar em torno de 700 milhes de indianos, o setor precisa de uma proteo especial contra o risco de uma invaso de importaes subsidiadas que levariam falncia e fome os fazendeiros. Isso permitiu a manuteno de polticas de proteo comercial e de subsdio de preos e insumos, como gua, eletricidade, sementes e fertilizantes, que tm mantido o setor bastante distorcido, especialmente no que se refere s
commodities como trigo e arroz. O grfico mostra como o suporte de preo mais elevado para o trigo e arroz que para as outras
commodities. Essas medidas tornaram mais lucrativo plantar trigo e arroz que feijo e lentilha, ao ponto da produo de feijo ter se tornado insuficiente para a demanda nacional, mesmo sendo um item importante da dieta indiana.
A despeito dos problemas causados pelos subsdios, os gastos tm aumentando, nos ltimos anos, de 80 milhes de rupias em 1996 para 260 milhes em 2004. O subsdio para o desenvolvimento e a distribuio de sementes melhoradas e mais produtivas tem-se concentrado no trigo e no arroz. Isso ajudou a aumentar a produo nacional dos itens bsicos das refeies indianas. Porm, pouca ateno foi dada aos outros alimentos. O resultado uma agricultura incapaz de fornecer alimentos diferenciados, como legumes no tradicionais e oleaginosas. O subsdio aos fertilizantes proporcionou o seu uso indiscriminado por parte dos agricultores indianos, o que contribuiu para os nveis elevados de diversos poluentes qumicos nos aqferos. Em vrios Estados indianos, a gua, que est se tornando cada vez mais escassa na ndia, classificada como imprpria para consumo, e isso restringe o seu uso.
Alm disso, os subsdios para o uso de gua de irrigao levaram ao abuso do recurso ao ponto de a extrao dos aqferos ter sido feita por muitos fazendeiros sem controle algum do Estado. O nvel de gua desses aqferos tem cado constantemente nos ltimos anos e, em alguns Estados, houve extrao de at 80% do potencial. O mapa ilustrado do estudo que preparamos para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
Dinmica do setor de agronegcio da ndia e do Mercosul:diferenas, tendncias e potencial complementaridade, mostra que esses Estados tambm so grande produtores agrcolas, mas esto pondo em risco o futuro da produo estadual e nacional.
Assim como as nossas rodovias, as estradas indianas sofrem com a falta de manuteno, e o transporte de cargas bastante complicado. Existe legislao federal proibindo a venda de produtos agrcolas fora do Estado onde foram plantados. Com isso, as alfndegas interestaduais, que cobram taxas e impostos pesados dos caminhoneiros que carregam alimentos, se sentem respaldadas. As autoridades rodovirias podem parar caminhes de carga aleatoriamente, exigindo inmeros documentos e comprovantes de pagamento de impostos e taxas rodovirias. Alm disso, as vendas no atacado so permitidas somente nos mercados regulamentados, os Agricultural Produce Marketing Committees APCM. Estes funcionam como mercado de monoplio controlado pelo governo, que cobram taxas para cada transao, limitando assim as opes dos agricultores em relao aos locais de venda de seus produtos.
Por essas razes, a indstria do agronegcio no cresceu na ndia. As empresas no gostam de investir em um setor com tamanhos problemas e ditado por polticas estaduais e federais restritivas produo e venda de produtos agrcolas. Algumas multinacionais tomaram a iniciativa e comearam a investir na infra-estrutura da cadeia produtiva, tanto da fazenda, quanto do porto e da indstria de alimentos. Assim, as empresas conseguem garantir uma logstica mais confivel para a produo agrcola chegar aos centros de processamento de alimentos, ou para o fornecimento de alimentos importados para lojas e supermercados.
Certos grupos indianos, como a National Commission on Farmers (NCF), esto fazendo campanha para convencer o governo indiano a mudar essas polticas e permitir que o setor venha a se estruturar com mais capital privado, investimentos estrangeiros e a desregulamentao do mercado de alimentos. Pequenos passos esto sendo dados nessa direo, como a mudana de legislao para atrair investimentos estrangeiros no setor de processamento de alimentos ou a eliminao do limite de tamanho das fazendas, assim como a elaborao de leis referentes formao de cooperativas, algo raro na ndia. De qualquer modo, muitas mudanas legislativas e estruturais precisam ser feitas at o setor do agronegcio chegar ao nvel de integrao entre fazenda, indstria de processamento de alimentos e uma rede de varejo equipada para vender produtos congelados e diferenciados.
A ndia tem ultrapassado outros pases no desenvolvimento econmico, porm esqueceu de atualizar suas polticas agrcolas, deixando o setor com uma infra-estrutura precria, com polticas onerosas que concentram a produo em poucos gros e mercado controlado pelo governo. Em resumo, os riscos para os atores desse setor so elevados. A ndia est em fase de mudanas e tem muito que aprender com as experincias de outros pases que j passaram por essa etapa. Portanto, existem reas de cooperao entre o Brasil e a ndia, como o intercmbio entre delegaes de especialistas, tcnicos e polticos. O Brasil poderia mostrar as suas experincias em tecnologia agrcola, desregulamentao e abertura comercial do setor.
A demanda crescente por alimentos diferenciados na ndia aponta para a necessidade de importar certos alimentos que no podem ser fornecidos pela agricultura nacional. Com isso, surgem oportunidades para as exportaes brasileiras. No estudo para o BID, em elaborao pelo Icone, identificamos que em 2020 a ndia precisar importar anualmente:
- entre 2 e 6 milhes de toneladas de oleaginosas, das quais uma parcela leo de soja;
- entre 500 mil e 3 milhes de toneladas de carne de frango.
* Pesquisador snior do Icone
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